O ano era 1992. Pouco me lembro dele, pois só tinha um ano. Mas, neste ano, na cidade de Salvador, surge um grupo musical que viria a transformar a vida de pessoas que, assim como eu, tiveram sua infância dentro dos anos 90. O tal grupo era o Gera Samba, que em 1995 mudaria de nome para É O Tchan, mantendo essa alcunha até os dias atuais. Podíamos até não perceber na época, mas as letras simples, que ficam na mente, estavam, pouco a pouco, moldando-nos e transformando-nos nos adultos que somos hoje. Você pode até estar pensando que este é apenas um grupo de axé qualquer. Ledo engano. Muitas lições eram passadas enquanto você observava as dançarinas segurando o tchan e enquanto você botava a mão no joelho e dava uma abaixadinha. O meu amigo leitor e minha amiga leitor devem achar que vou falar de lições de dança, que se resumem a explicar que você deve segurar e amarrar o tchan. Não. As lições transcendem o campo da dança e vão para outros temas. Falarei sobre essas lições a seguir.
É o Tchan!, antes mesmo de se falar em globalização, já estava por dentro de outras culturas e etnias. Do Havaí ao Japão, passando pela selva amazônica e pelas areias quentes do Egito, o É o Tchan! demonstrou um pouco da cultura e especificidades de cada país. É algo simples, que mostra o balanço do axé music sem excluir as particularidades de cada lugar visitado. E era livre, qualquer um podia dançar. Menos no Egito, onde ter charme era pré-requisito para dançar bonito.
Olha o quibe!
As músicas mostravam como era o líder de cada grupo. O Califa, além de suas atribuições políticas, tá de olho no decote dela. De olho no biquinho do peitinho dela. De olho no balanço das cadeiras dela. De maneira idêntica, vindo lá da ásia, das bandas do Japão, o Samurai, apesar de suas atribuições de guerreiro, quer ver bumbum mexer, quer sushi pra comer, quer amarrar o tchan, quer tcha tchan tchan tchan. Claro que isso não quer dizer que eles saibam tudo sobre outras culturas, o que fica óbvio nesse excerto dito por Beto Jamaica, antes do clássico do cancioneiro popular, Ariga Tchan:
"Venha minha ninja nissei
Sansei?
Ah, não sei.
Eu só sei que é o tchan do Brasil!"
-JAMAICA, Beto.
Além disso, havia uma preocupação com a nossa própria história. Você sabia que por uma índia baiana Cabral se apaixonou? Se você ouviu Tribo Tchan, você sabe. Remontando à época do descobrimento, É o tchan! dá uma aula demonstrando as características dos nossos primeiros habitantes. Numa tribo, por exemplo, o cacique quer ver bumbum mexer, enquanto o pajé quer samba no pé, ao passo que o curandeiro está de olho no pandeiro. E, do lado dos portugueses, enquanto nosso descobridor Cabral samba Pero Vaz, caminha. Tudo, claro, mantendo o olho no compasso dessa indiazinha. Ao fim, para nos inserir no contexto da época, trechos são ditos na língua indígena, tal como se segue:
"Tchancurú, tchanxegô, catchanbá,
Tchan popô
Paquetchan, tchanrerê
Tchansambá, tchanmexê"
Não entendeu? Relaxa, o próprio grupo traduz para você:
"Na cabeça, no joelho, no peitinho,
No bumbum, barriguinha, cinturinha"
Realmente, essa índia ainda mata um.
Óbvio que as brincadeiras infantis não ficariam de fora. Em primeiro lugar, o bambolê. Somente com É o tchan! você aprende que pode sambar com um bambolê, é só se ligar pra você aprender. Ao começar, você roda no dedinho (bambolê!), aí, vai no pescocinho (bambolê!), passa no ombrinho (bambolê!), cai na cinturinha (bambolê!), dá uma rodadinha, uma quebradinha e, pra finalizar, mexe a traseirinha, minha pitchulinha.
Outra brincadeira contemplada é a brincadeira da cordinha, a nova onda, com uma regra bem simples: por baixo da cordinha você vai ter que passar. E, preocupado com a inclusão social, qualquer um poderia passar: negrão, neguinha, loirão, loirinha, gordão e magrinha. Todos passam por debaixo da cordinha.
Óbvio que essas lições só se tornaram possíveis devido ao contexto dos anos 90, uma época simples, com valores diferentes e com internet ainda longe de se tornar algo comum na vida dos cidadãos. Era uma época que lançou bases para o que somos hoje. Mas falarei dessa época em outro post. Quero agora terminar com um agradecimento ao grande sábio Compadre Washington que, ao lado de Beto Jamaica, proporcionaram grandes ensinamentos para todos nos, crianças e jovens dos anos 90.
WASHINGTON, Compadre.
Só você, Franz, para me fazer rir do "É o tchan"...
ResponderExcluirHahahahah Que bom que te fiz rir! ^^
ExcluirEu eu, pobre negrinho ignorante adolescente, só rebolava mesmo.
ResponderExcluirMuito bom !!!
Muito obrigado, grande mestre!!
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